Carlos Chagas (Brasília) - Alguém já imaginou substituir a roda por um triângulo, um quadrado ou um poliedro? Mas a roda é velha, antiga. Estará ultrapassada. Ou será possível abandonar a água, como diluente universal e fonte da vida e da sobrevivência, quem sabe por vinho, cerveja ou querosene?
Nem vale a pena ampliar o raciocínio para realidades além da matéria. Que tal considerar a democracia ultrapassada? Estabelecer que a liberdade é coisa do passado? Talvez até o amor?
Há valores universais que nenhum modismo conseguirá suplantar. Sequer a ridícula globalização, fruto da arrogância de mais uma geração iludida. Muito menos o neoliberalismo, resultado da exacerbação do capitalismo selvagem.
Todo esse preâmbulo se faz por conta da insistência do presidente Lula em convencer os trabalhadores da excelência das reformas sindical e trabalhista. O argumento é de que a legislação pertinente teve suas bases fincadas da Carta Del Lavoro, de Mussolini. Por conta do fim da vida do tresloucado "Duce", encontra-se um pretexto para revogar direitos duramente conquistados pela Humanidade, substituindo-os pela lei do mais forte.
No caso, dos que impuseram o neoliberalismo e a globalização, patetas a imaginar o fim da História em favor de suas benesses. Pois não é que de quando em quando essa quadrilha encontra aliados ingênuos, em condições de acreditar e até de tentar impor suas estultices?
Quer o presidente Lula, estimulado pelos que o circundam, promover reformas capazes de suprimir direitos de seus companheiros e de surripiar conquistas que vêm de muitas décadas. Intentam quebrar a estrutura do movimento sindical e substituir garantias e direitos pela falsa livre negociação entre patrões e empregados. Sem tirar nem pôr, pretendem acabar com a roda e com a água.
O resultado não se faz esperar: a reação das centrais sindicais, até mesmo a CUT, atrelada ao seu governo. A indignação dos assalariados e a revolta de quantos cultivam o trabalho como forma de sobrevivência. Em oposição, é claro, aos que vivem da especulação e da exploração do semelhante.
Há tempo, ainda, para o presidente e seus assessores meditarem, refluírem e se desculparem por essa tentativa de atropelar a natureza das coisas. No passado recente, sob a batuta do sociólogo, desapareceram conquistas fundamentais do trabalhador. As que sobraram encontram-se em perigo, ironicamente por parte do governo de outro trabalhador. Ou ex, porque faz tempo que Lula não pega num torno mecânico.
Pulverizar os sindicatos só não será pior do que extinguir as indenizações por demissão imotivada ou fatiar o 13º salário e as férias. Substituir pela livre negociação entre patrões e empregados o que resta da Consolidação das Leis do Trabalho ou das leis que permitiram a sindicalização equivale a imaginar o mundo sem a roda.
Alega-se a globalização como mola propulsora para privilégios inadmissíveis de elites fajutas. Afinal, é possível transferir uma especulação financeira de Hong-Kong para as Ilhas Caymã num simples digitar de teclas de computador.
Esquecem-se de que nossos ancestrais trogloditas julgaram-se globalizados porque dominaram o fogo. Em vez de as cavernas se comunicarem pelos decibéis das gargantas de seus habitantes, entendiam-se todos através de sinais de fumaça. Mais tarde, descoberto o caminho marítimo para as Índias, os navegadores também se imaginaram globalizados por levar madeira da Espanha para o Extremo Oriente e de lá trazer especiarias de toda ordem.
Depois, foi o telégrafo sem fio que definitivamente nos globalizou. Agora, são os e-mails e os computadores. Amanhã virá a verdadeira globalização, quando minério de ferro puder ser trazido de Marte.
Tudo faria parte da mesma pantomima, não fosse o reconhecimento por parte dos bisnetos dos nossos bisnetos, de que a roda e a água continuarão vitais. Deus queira que também a democracia, a liberdade e o amor. As reformas sindical e trabalhista são outra malograda tentativa de fazer o planeta girar ao contrário.
03/2005 04/2005 05/2005 06/2005 07/2005 08/2005 09/2005 02/2006 03/2006